Como foi seu dia?
Sábados foram feitos para o repouso espiritual, à reflexão e o descanso, dizem algumas tradições. Para cousas edificantes, com e sem ironia, ousaria acrescentar eu, para quem eles são geralmente dedicados ao ócio e à decadência. Contrário ao habitual, porém, o último sábado foi o dia mais engrandecedor da semana, sem qualquer dúvida — e não só pela contundente vitória contra o despertador às 8h em um final de semana (embora seja um fato digno de nota).
Sábados foram feitos para o repouso espiritual, à reflexão e o descanso, dizem algumas tradições. Para cousas edificantes, com e sem ironia, ousaria acrescentar eu, para quem eles são geralmente dedicados ao ócio e à decadência. Contrário ao habitual, porém, o último sábado foi o dia mais engrandecedor da semana, sem qualquer dúvida — e não só pela contundente vitória contra o despertador às 8h em um final de semana (embora seja um fato digno de nota).
Ocorre que, a convite da amiga Cristina Pretto, eu e o Emanuel Godinho, grata amizade que fiz nestes anos em Porto Alegre, fomos ao Núcleo de Estudantes de Psicologia do Rio Grande do Sul assistir à intervenção “Corpos que Vibram”, realizada por um grupo de estudantes de Psicologia (a Cris, inclusive) da Univates, centro universitário de Lajeado.
Chegamos ao NESP como estranhos no ninho (a la Jack Nicholson, quase) e aqueles dois sujeitos esquisitos — porque estudantes de Economia, em geral, são esquisitos — debatendo “economices” enquanto esperavam a peça começar certamente despertou curiosidade entre os psicólogos presentes no local. Tanto que, receptiva e simpaticamente, nos perguntaram “de onde vínhamos”, e pareciam felizes por pessoas de outra formação estarem lá, interessadas em seu mundo. A propósito, cabe frisar, há muito tempo não me sentia tão à vontade em um ambiente desconhecido. Hospitalidade genuína não se encontra em toda parte, afinal.
Mas, derivo.
Por um pequeno erro de interpretação do material de divulgação, pensei que a peça seria uma interpretação psicológica d’A Genealogia da Moral, de Nietzsche, o que seria bem interessante. Mas não era sobre isso. E nem importa: penso que foi precisamente por esse pequeno ato falho que a experiência mostrou-se ainda mais surpreendente, instigante e inspiradora.
Pois, quando começou a apresentação e fomos levados a uma sala e convidados a sentar no chão, como se meditar fôssemos, enquanto mensagens eram passadas em um telão e um balé exótico era realizado – sem que eu soubesse para onde era devido olhar, o que fazer, o que ouvir –, meu lado objetivo, racional, consciente, estava perturbado. As balas incentivando o paladar, os pequenos baldes com terra para estimular o tato, e todos os demais pequenos detalhes convidativos a uma exploração dos sentidos, fizeram-me lembrar mais de uma vez da peça No Vão da Escada, a que assisti no Hospital Psiquiátrico há tempos – seja pela experiência incomum, seja pelas reflexões e digressões sucedentes. Sensações inexprimíveis, em ambos os casos, enfim.
Após a inebriante viagem pelo inconsciente de cerca de meia hora, as pessoas presentes foram convidadas a dar seus comentários sobre a peça. Singular notar que inclusive os psicólogos tinham distintas interpretações a respeito de momentos particulares da peça, que dizia respeito, essencialmente, a seu próprio trabalho. O que, para mim (e para o Emanuel também, suponho), foi irrelevante no que se refere ao aproveitamento da teatralidade e introspecção: até mesmo nos momentos de evidente relação com o a atuação do psicanalista (por si só interessante), podia o leigo tecer seus próprios relacionamentos psicológico-filosóficos de acordo com suas vivências e campos de atuação. E, aliás, creio que um dos grandes méritos da composição seja justamente esse aspecto supradisciplinar da mesma.
Há muitos outros elogios a fazer ao grupo de estudantes (e à professora orientadora do trabalho). Afinal, imagino que a dedicação para que a apresentação se mostrasse tão densa e bem-executada não tenha sido pouca, além de ser incomum a iniciativa de criar uma peça teatral em um curso não-artístico e ter a coragem de se expor de tal maneira. E, por fim, é impossível não agradecer pela experiência subjetiva tão inabitual e cara para quem convive com fórmulas, modelos rígidos e axiomas.
Entre vídeos, mensagens, gravações, danças, gritos, tapas, o som do saxofone e uma única frase, incrivelmente significativa, não foram poucas as confusões à minha pretensa racionalidade. Pode parecer exagero, mas não é: as muitas reflexões, divagações e ideias inquietas decorrentes de toda essa experiência ainda não se sedimentaram. E, é muito provável, nem devam. De todo modo, foi um ótimo e intelectual dia — e em pleno sábado.
Texto de: Rafael Spengler - acadêmico de economia e participante da atividade do NESP.
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