No dia 11 de setembro, discutiu-se na sede da Sociedade de Psicologia a 'Técnica da psicoterapia partindo do seriado Em Terapia".
Debatedores: Leonardo Della Pasqua e Mônica Oliveira
In Treatment é um seriado americano dirigido por Rodrigo García, filho do escritor colombiano Gabriel García Márquez. A série televisiva é uma refilmagem da versão israelita Be’Tipul, criada por Hagai Levi. Em palestra no RomaFictionFest 2010, o criador do seriado conta que já existem 13 produções série sendo rodadas ao redor do mundo, desde simples transposições dos episódios para o idioma do país, até a verdadeiras adaptações culturais do roteiro, em relação a vida sócio-econômica-cultural dos personagens. Os episódios em Israel eram submetidos a supervisão de um reconhecido psicoterapeuta do país, que auxiliava na construção do roteiro.
Na série americana, Hagai Levi serviu de consultor, um produtor-executivo do programa. Os episódios duram em média a metade do tempo de uma sessão clássica de terapia, ou seja, 23-24 minutos. Esse tempo é também a metade do tempo de um episódio padrão dos seriados, que duram entre 40-45 minutos. A série se passa em um consultório de psicoterapia, onde o terapeuta Paul Weston (interpretado por Gabriel Byrne) atende seus pacientes. Cada dia da semana o psicoterapeuta de orientação psicanalítica atende um paciente diferente. Na Sexta-feira é o dia da supervisão-psicoterapia pessoal de Paul, com sua antiga terapeuta Gina, interpretada por Diane Wiest.
O consultório de Paul é uma peça de sua própria casa, uma espécie de santuário para ele, onde ninguém de sua família deve tomar parte. Paul é casado e tem 3 filhos: um filho e uma filha adolescente, além de uma menina pré-adolescente. Seu isolamento profissional dentro da própria casa acaba gerando uma crise conjugal que terminará em divórcio. Paul apresenta dificuldades transferenciais e contra-transferenciais com seus pacientes, o que influencia a sua prática clínica e sua vida pessoal.
A série tem duas temporadas e está sendo produzida a terceira temporada nos Estados Unidos – totalmente nova – já que o original israelense tem somente dois anos. Na palestra de Hagai Levi em Roma, ele ressalta que a série se transformou um sucesso somente após 2 ou 3 semanas de exibição, onde mais pessoas falavam do seriado do que os que realmente o assistiam. Isso teve uma grande repercussão em Israel, pois a procura por psicoterapia aumentou muito durante a exibição da série. Mais pessoas falavam de psicoterapia, mais pessoas resolveram procurar um psicoterapeuta.
Perguntado sobre o que pensava que Freud poderia dizer a respeito da série, Levi diz que o método de terapia apresentado é diferente do proposto por Freud, mas crê que ele ficaria satisfeito com o que estaria representado. O que é questionável, pois Freud nunca quis que a psicanálise fosse filmada, porque acreditava ser impossível representar fielmente o que se passa numa sala de análise. A série não apresenta exatamente o que ocorre em psicoterapia, pois as sessões reais de terapia não são um produto a ser vendido para a grande massa assistir. Nem tudo é interessante e chama a atenção. Hagai Levi sabe bem disso, afirmando que a série não é uma sessão de psicoterapia filmada, mas se aproxima significativamente, cometendo algumas distorções do método terapêutico.
É interessante pararmos para pensar sobre esse ponto: em 1926 Karl Abraham e Oliver Sachs, membros do grupo seleto de Freud, serviram de supervisores ao diretor alemão Georg Wilhelm Pabst, para a realização do filme Geheimnisse einer Seele - Os Mistérios da Alma. Freud jamais aprovou o projeto. Eram os anos do cinema mudo e o paciente era um sujeito com uma série de obsessões e compulsões. Os sonhos do paciente foram representados plasticamente, sem a presença da palavra, só com imagens. Nesses anos – anos do nascimento do surrealismo – Freud negou a André Breton a relação existente entre o surrealismo e a psicanálise. “Um Cão Andaluz”, de Luis Buñel e Salvador Dali é de 1929 e é inegável a relação existente entre os dois movimentos. Um procura representar o inconsciente, o outro – a Psicanálise – procura analisá-lo. O filme é mudo e apresenta elementos oníricos em sua forma mais pura, isto é, de forma visual, sem as palavras.
Qual a diferença do enquadre psicanalítico freudiano para o enquadre apresentado na série? Em primeiro lugar a freqüência semanal das sessões. Freud via os pacientes diariamente, descansando somente no Domingo. Paul Weston atende todos os pacientes, sem exceção, uma vez por semana. Além disso, a técnica utilizada por Paul apresenta elementos de outras escolas de terapia, como a humanístico-existencial, tão famosa nos Estados Unidos e difundida por autores célebres como Irvin D. Yalom. No método psicanalítico propriamente dito, o utilizo do divã é indicado. Porém análise e psicoterapia de orientação psicanalítica não são a mesma coisa. A análise implica em alta freqüência semanal de sessões e uma atenção à regra básica da psicanálise: a associação livre, o que transforma a comunicação entre analista e paciente diferente das formas cotidianas de comunicação. Apesar das semelhanças na técnica, a utilização das mesmas é diferente – assim como os resultados.
Outro aspecto importante a ser ressaltado na fala de Hagai Levi é sua preocupação com o rosto dos personagens. Conforme ele mesmo diz: “como nos episódios acontece pouca coisa de concreto, apenas uma pessoa sentada frente a outra, em uma sala de psicoterapia, eu precisava que o rosto dos personagens capturasse o espectador”. Já na psicoterapia, é o método de trabalho que “captura” o paciente, não o rosto carismático do terapeuta. Na análise propriamente dita ele é tirado de cena. Entram em ação o divã, a introspecção, a regressão. Lhe é possível utilizar produtivamente a própria neurose: a análise vai “ensinar-lhe” a se auto-analisar.
Os sonhos e sua interpretação são fundamentais neste ofício. Freud e sua auto-análise nos mostraram que o homem pode ser mais livre, desde que tenha motivação e interesse em se auto-conhecer, enfrentando e aprendendo com a própria experiência, não fugindo dela pelo medo da dor psíquica.

(ator que interpreta o terapeuta na série israelita. Clique na figura e assista o trailer de Be’Tipul)
A série serve para pensarmos alguns aspectos técnicos da psicoterapia, em seus acertos e em seus erros. No NESP – Núcleo de Estudantes da Sociedade de Psicologia estamos aprofundando o tema, discutindo aspectos clínicos e técnicos da psicoterapia. Participe você também.